quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Lenda Urbana Triatlética


Uma mulher na casa dos 30 fazendo compras em um supermercado.

Um homem, ajudante do caixa e empacotador, entre 50 e 60 anos de idade.

Um carro com adesivo que identifica a pratica de um determinado esporte. Não um esporte de massa, difundido e divulgado pelos meios de comunicação. Não um adesivo com um símbolo que remete a um esporte específico, a não ser pra quem o pratica.

O homem para a mulher: "Tem algum Ironman na família?".

Surpresa pela pergunta e ainda mais surpresa com quem havia perguntado, a mulher responde: "Sim, meu marido".

A conversa continua. O homem continua a surpreender: "Não são muitas as pessoas que praticam esse esporte. Eu já completei cinco Ironman em Floripa".

Parece conversa de mesa de bar, ou então de pescador. Uma lenda urbana. 

Difíííícil de acreditar.....

Mas a mulher era a minha mulher, a Vivi. O homem, o empacotador do Pão de Açúcar da rua Cerro Corá na Lapa, bairro próximo de onde moramos aqui em São Paulo.

Assis Leite, cearense de Fortaleza, triatleta, cinco vezes Ironman. Melhor tempo na casa de 11:30'. Largou a cidade natal, família, faculdade de educação física (aos cinqüenta e tantos anos) e sabe-se lá mais o que, pra viver o sonho. Buscar patrocínio ou apoio para continuar fazendo aquilo que mais gostava: competir em provas de triathlon.

Como sabemos, inscrições, viagens, materiais esportivos, tudo é muito caro.

Em pouco tempo, perdeu o pouco que tinha em uma grande enchente no bairro da Pompéia. Depois uma lesão que o impediu de treinar, de competir.

Não sei qual a lesão. Não sei qual a limitação.

Só sei que desgraça pouca é bobagem.

Sem ter como se tratar adequadamente, algum médico orientou a procurar um trabalho que permitisse movimentar-se. Achou o de empacotador em supermercado. Uma loja que abriga uma grande academia (Bio Ritmo) em sua sobreloja.

Falante, simpático e como todo ironman que se preze, gosta de contar sua história, não demorou a conhecer outros membros da mesma tribo que, assim como eu, foram sensibilizados pela história. Conseguiu uma bolsa pra treinar de graça na academia. Está se recuperando.

Não tem dinheiro e nem pretende voltar pra Fortaleza. Às vezes passa dificuldades, mas tudo o que ganha vai para inscrições de provas de corrida.

Está atualizado. Sabe do TriStar no Rio. Gostaria de fazer Pirassununga, mas 510 reais é caro pra nós, imagine para ele. Minha mulher disse que se tivesse conversado com ele, tinha certeza que eu pagaria do meu bolso a inscrição dele.

Quem sabe.

O sonho dele é voltar a competir em Floripa. Com um sorriso no rosto, ele passa a certeza que vai conseguir isso.

O que leva uma pessoa a desistir de quase tudo na vida para viver um sonho?

Loucura inconsequente?

Pouco ou nada à perder?

Coragem?

Idealismo?

Todas? Nenhuma razão acima?

Dizem que o que faz do futebol um esporte universal é a possibilidade de se jogar com uma bola de meia e dois pares de chinelos para demarcar os gols. Ok, bem mais democrático que um esporte que precisa de uma piscina, uma bicicleta, tênis de corrida, treinadores, inscrições caras, etc, etc, etc.

Apesar de tudo isso, apesar de aparentemente elitista, o meu, o nosso esporte é capaz de despertar a mesma paixão que eu sinto, que você que lê sente, em alguém com aparente bem menos recursos e possibilidades materiais. Mas sonhos não se limitam por essas coisas mundanas. 

Infelizmente não conheci essa figura e não ouvi diretamente dele essa história que só uma cidade maluca como São Paulo pode contar. Mesmo não sabendo muitos detalhes, passei boa parte do dia pensando em uma forma de ajudar. Não tenho sequer o contato dele. Só sei que se chama Francisco de Assis Leite de Oliveira (tem um videozinho no youtube produzido pela tv de fortaleza, com uma letra adaptada por ele mesmo...é só procurar no YouTube por "ASSIS LEITE IRONMAN" no google) trabalha de empacotador no Pão de Açúcar da Cerro Corá, em SP e quer voltar pra Floripa de qualquer forma.

Só quem faz sabe o amor, o orgulho e a vontade de continuar que sentimos.

Vou tentar fazer minha parte. E você? Tem alguma coisa que você pode fazer?