quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Ciência do Mal





Irritante na maioria das vezes, esse nosso comportamento bipolar em querer dividir tudo em bom e mau.

Céu e Inferno.

Mocinho e Bandido.

A "Força" e o "Lado Negro".

Ninguém é tão linear assim. Todos temos comportamentos que nos afastam tanto do "bem" como do "mal". Até (e principalmente) os que usam a religião para se autoproclamarem "do bem" (obrigado aos meus revisores...protetores do português).

O assunto é o que está na moda nos últimos dias, mas vista sob uma ótica diferente: o Doping.

Eu não concordo com o doping e já fiz um post sobre isso. É uma mentira.

Porém, existe uma faceta do doping que é inegavelmente bela! O mecanismo. A fisiologia.

O doping não nasceu doping e isso precisa ficar claro.

As substâncias usadas foram descobertas, criadas ou mimetizadas visando tratamento de pessoas com deficiência destas substâncias. Isso é resultado de muita pesquisa, muita dedicação por parte de pessoas que usam o conhecimento buscando o bem estar.

Existe uma máxima em medicina que diz que "a diferença entre o remédio e o veneno é a dose".

Pois é. Cientistas, médicos ou afins também têm o lado Dick Vigarista.

O Dick Vigarista era um personagem estranho. Ele estava sempre na frente e em todas as corridas, mas  queria consolidar a posição através de golpes nos demais corredores. E sempre acabava se dando mal.

Tem gente que estuda, pesquisa e desenvolve novas formas de se aumentar o rendimento físico, burlando leis, passando por cima da integridade física de pessoas (atletas também são pessoas, na maioria das vezes), ao invés de usar essa capacidade para um bom propósito.

É um lado nefasto, mas não deixa de ser belo também! O que é bom ou mau depende de julgamentos morais. O que é belo não depende disso!

Muito se fala, mas quem sabe o que se usa para aumentar o rendimento esportivo?

Vamos lá, um resumão:

- Estimulantes: anfetaminas, efedrina, cocaína e cafeína. Usado por ciclistas e atletas de volei, basquete e futebol. Promovem efeitos semelhantes aos da adrenalina, aumentando a tolerância ao esforço e diminuindo o limiar da dor. Como efeitos adversos, podem causar arritmias, hipertensão arterial (HAS) e até morte por hipertermia pois interferem no mecanismo de regulação da temperatura corporal.

- Analgésicos: derivados do ópio, como morfina. Usado por triatletas e maratonistas. Diminuem a sensação da dor. Podem aumentar o risco de lesões graves pois mascaram o principal aviso do corpo quando as coisas não vão bem: a dor. Além disso levam a desequilíbrio (imagina um ciclista desequilibrado?), bradiarritmias, dificuldade de concentração.

- Anabolizantes: nandrolona, testosterona. Levam à hipertrofia muscular, com aumento da potencia e força das contrações, além de aumento da tolerância ao esforço físico. Determina também, aumento do metabolismo basal, levando a lipólise (adeus gordurinhas localizadas). Em medicina o uso é restrito para tratamento de alguns tipos de anemias, hipogonadismo (baixa produção de testosterona) ou ganho de massa muscular e doentes terminais com CA. Como efeitos adversos observam-se: aumento da agressividade, comportamento anti-social, hipertrofia do miocárdio, esterilidade e hipercolesterolemia.

- Diuréticos: furosemida. Determinam aumento do volume urinário.Usados por atletas que querem reduzir o peso rapidamente ou por aqueles que querem mascarar traços de outros agentes dopantes pelo aumento da diurese. Podem causar desidratação e arritmias cardíacas.

Agora, a cereja do bolo. 

- Hormônios Peptídeos ou Análogos

Gonadotrofina Coriônica (HCG) - produzido pelos vilos coriônicos das placentas. São extraídos da urina de mulheres grávidas. É usado em medicina para estimulação ovariana em casos de infertilidade.
Olha a beleza do "lado negro". Alguém fez essa pesquisa. Alguém coletou a urina da gravidinha. Alguém extraiu o hormônio. Alguém pesquisou sua ação fora do seu uso habitual, ou seja, famílias desesperadas para terem sua prole. Alguém se sujeitou ao seu uso!!!!! Tem sua beleza. Ou alguém discorda disso?
O HCG aumenta a produção de esteróides endógenos, determinando aumento do volume e potência muscular.
O efeito adverso é ginecomastia em homens e alteração do ciclo menstrual nas mulheres.Até que sai barato.

Hormônio de Crescimento (GH) - produzido pela hipófise em grandes quantidades até a puberdade. Usado em casos de baixo crescimento, igualmente no período da puberdade. Produz aumento significativo da massa muscular, com consequente aumento da potencia e velocidade das contrações. Difícil imaginar o motivo do uso após o ingrato período puberal, não é mesmo? Os efeitos adversos são acromegalia (imagina o Arnold Schwaznegger), Diabetes tipo II (essa complicação também acomete as crianças em tratamento com GH), hipogonadismo, hipertrofia do miocárdio.

Hormônio Adrenocorticotrófico (ACTH) - produzido pela adenohipófise e age na adrenal, estimulando a  produção de corticóides endógenos. É usado por atletas com atividade intensa e prolongada, que precisam rápida recuperação. Algum esporte conhecido????? Seu uso prolongado leva a enfraquecimento muscular, HAS, úlceras gástricas e dificuldade na cicatrização de feridas.

Eritropoetina (EPO) - o mais famoso entre ciclistas e triatletas. Usado convencionalmente para o tratamento de alguns tipos de anemia por estimular a produção de hemácias. Com um maior números de células vermelhas circulantes, haverá maior aporte de oxigênio para a musculatura, promovendo atividades físicas mais intensas e por períodos prolongados. É o mesmo princípio do autotransplante sanguíneo: aumentar o número de hemácias circulantes.


Existe também o doping genético. É inserido no organismo do atleta/cobaia, um vírus com proteínas modificadas que vão estimular a produção das substâncias listadas acima. E ninguém vai poder dizer que isso não é absolutamente e espetacularmente lindo! Esse é o futuro da medicina: o princípio de terapias gênicas contra o câncer ou doenças degenerativas, usados para se criarem super-humanos, super-atletas....do mal....mas super, sem sombra de dúvida.

Uma resposta à um comentário no meu post anterior é minha conclusão sobre o assunto:

Como já disse, não concordo com o doping. É uma forma de se enganar à quem faz, acompanha e para quem torce pelo esporte.

O que me causou decepção com o caso do Lance (e escrever sobre isso foi aceitar que eu perdi um ídolo no esporte) foi o fato do cara ser sobrevivente de uma doença devastadora, o que já o torna um campeão, um super-herói, exemplo e esperança pra quem sofre com ela e isso não ser o suficiente. Ele tinha que estacionar o seu "Máquina do Mal" no acostamento e acabar com os demais adversários dessa corrida maluca. Simplesmente ser o campeão não bastava. O bem e o mal juntos!!!!



Se tudo acontecia com o conhecimento (e acobertamento) das entidades responsáveis, por que não liberar o uso? Duvido que qualquer um dos envolvidos no caso tenha sido acorrentado e obrigado a fazer o que não queria.

Libera o uso. 

O povo quer show, como disse o ex-presidente da UCI? Que deem show. Na verdade um show digno de circo dos horrores. Até essas pessoas começarem a morrer. Simplesmente morrer.

Mas qual o problema, não é? Sempre vão existir palhaços pra ocupar os postos vazios.

O show não pode parar!


4 comentários:

  1. Daniel,

    e o uso de HGH na reposição hormonal para quem está nos "enta"? Eu li que esse tipo de tratamento é benéfico para postergar ou eliminar sinais comumente associados aos quarenta em diante, como perda de acuidade visual, perda de massa muscular, diminiução de libido e enrugamento da pele, dentre outros.

    Há verdade nisso? E mesmo para o não atleta, há algum risco associado além do desenvolvimento de tumores se houver alguma propensão?

    ab.

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    1. Fala Max.

      Não. O GH estimula o crescimento. Como efeitos associados existe ganho de massa muscular e lipólise. É disso que se "beneficia" o adulto (atleta ou não) em tratamento com GH.

      Quando estava pesquisando para este post, li um estudo do JAMA (Journal of the American Medical Association) que é categórico em dizer que nada é comprovado sobre o uso do GH para tratamentos anti envelhecimento.

      Inclusive isso foi vetado nesta semana aqui no Brasil, não sei se você ouviu. Os "médicos ortomoleculares e anti-envelhecimento" (na minha opinião, uns pilantras charlatões) não podem mais usar esse tipo de medicação para esta finalidade. Os efeitos adversos são potencialmente graves, como diabetes, artrites, entre outros.

      Meu amigo....o "envelhecimento" é fato! O que podemos fazer é envelhecer BEM!

      Abraço

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  2. Tks. Eu ia até deixar de pedalar pra poder me tratar, mas então nem adianta :-)

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  3. Daniel,

    Me tornei um fã do seu blog. Muito legal o jeito que escreveu sobre as várias formas de se dopar.

    Acho que nao liberam com medo de tomar processo no futuro. Imagina um atleta aposentado, sem os patrocinios de antigamente, meio quebrado... é um prato cheio para advogado oportunista processar querendo uma indenização por ter problemas de saude devido ao doping.

    Abraco!

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