sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"Causos" de Pirassununga

Uma sugestão da Cláudia é mais que um pedido, é uma ordem!

Então, lá do fundo do baú, vamos resgatar mais lembranças sobre minha experiência militar.

O "universo" militar é constituído de particularidades: o clima é sempre de guerra iminente, tudo é baseado em hierarquias e hierarquizações, o linguajar é característico, quase um dialeto. Por exemplo, qualquer atribuição, por mais corriqueira que seja, é uma missão; aula é instrução. Esqueça A de amor, B de bola, C de casa....A de alfa, B de Beta, C de Charlie, D de delta e assim vai.

Como eu disse no post anterior, o fim da "instrução" militar (os dois meses nos quais o básico do BÁSICO do treinamento militar seria passado à um bando de moleques e dondocas recém formados - essa é a imagem deles sobre as pessoas nas condições em que eu me encontrava naquela época) previa uma "missão" à Pirassununga. Lá, além de mostrar aos "estrelados" nosso aprendizado como soldados, teríamos algumas aulas complementares sobre como montar guarda em uma operação de guerra, técnicas de sobrevivência na selva, até alguns requintes de crueldade como o tratamento a prisioneiros de guerra.

Os preparativos para essa missão incluía uma certa tortura psicológica: a todo momento éramos lembrados que lá, seríamos o "cocô do cavalo do bandido". Se entramos na Força como aspirantes à oficiais, e por isso, com ascendência sobre todos as patentes menores, como soldados, cabos, sargentos e suboficiais, nesta missão, TODOS eram instrutores (alguns instrutores seriam soldados ou quaisquer outros militares com patentes menores às nossas) e por isso, alguns iriam à forra. Iriam tirar o recalque. E BOTA RECALQUE NISSO!

Era uma quarta feira. Todos com caras de assustados com as mochilas, fuzis com baioneta e capacete PESADÍSSIMO sobre as cabeças. Claro, além de camuflado e coturno, num calor de final de março. Esse seria nosso figurino para os próximos 3 dias. A volta era prevista para sexta, mas nada era dado como certo..."portanto, avisem os papais e mamães que não sabem quando voltam....OU SE VOLTAM".

O tempero de tudo isso chamava-se C-130, mais conhecido como Hércules. Um avião militar enorme, com asa alta, quadriélice (nenhuma delas poderiam estar em sincronia, ou então o avião cairia, segundo as intimidações pré voo), muito usado em transporte de tropas, paraquedistas ou cargas.

Muitos estavam com medo do acampamento, outros muitos com medo do avião. Eu estava morrendo de medo de me estourar todo e não conseguir fazer a etapa do Troféu Brasil de Triathlon, que aconteceria no domingo daquela semana, em Santos.

E fomos pro acampamento!

E não foi NADA parecido com os acampamentos no Rancho Ranieri, que eu fazia com a escola!

Saímos do avião, fomos divididos em 2 ou 3 pelotões (sem bikes), cada um com líderes que, dependendo do desempenho em comandar a tropa, seria trocado pelos comandantes da operação.

Foram entregues 3 sacos, com lonas, ferros, ferramentas. Eram barracas! Não eram iglus. Não tinham manual de instrução!

Horas pra se montar as tais barracas!

Terminado isso, Ordem Unida, agora com fuzis: APRESENTAR ARMAS, DESCANSAR ARMAS....horas de pé. 

A noite caía e nada de considerarem apresentável o que viam! Não me lembro de ter comido. Fomos dispensados para dormir por volta das 2 da manhã, mas com a obrigação de montar guarda permanente em volta das barracas. O inimigo estava por toda parte.

Às 5 da manhã do dia seguinte, uma série de morteiros são detonados atrás da barraca. A guarda completamente ineficiente não percebeu! Acordei SURDO!

Num pequeno lapso de bondade, foi-nos oferecido um café da manhã com a recomendação: "COMAM, SEM EXAGEROS, MAS COMAM. NINGUÉM SABE QUANDO OU SE VAI TER COMIDA DE AGORA EM DIANTE".

E estávamos todos em fila, preparados para a "volta ao mundo" (como eles chamavam o caminho até a área de acampamento). Horas andando no sol de rachar, com mochila nas costas, capacete na cabeça e fuzil na mão. Não era um caminhar relaxado. Era um caminha militar, quase uma marcha. À todo momento existia o risco de ataque inimigo e, desta forma, precisávamos nos entrincheirar quando era dado o alerta!

Depois de 6 a 7 horas andando assim, a sede era insuportável. De vez em quando nos reuniam e davam um copo que era pra ser dividido em 20, 30 pessoas. O último tomava a baba de todos os outros!

Antes de chegarmos ao acampamento propriamente dito, algumas "instruções" (aulas) no meio do caminho. Como éramos filhinhos de papai, não éramos obrigado, mas quem quisesse, poderia experimentar bigatos (larvas que crescem em madeira) e outras coisas relacionadas à sobrevivência na selva! 

Vou te dizer que em nenhum treino ou prova até hoje senti tanto stress, cansaço ou sede! A famosa frase PEDE PRA SAIR não existia, mas a todo segundo era repetido o equivalente "PEDE DESLIGAMENTO 06. PEDE DESLIGAMENTO". E aquela cena do durão, chorando e pedindo pra sair...acontece mesmo! Os que mais falam que vão "fazer e acontecer" durante as aulas teóricas, são os mais visados...e sim, conseguem tirar essas pessoas do sério!

Depois que terminou essa primeira parte, aliviou. No acampamento, serviram UM PUTA almoço! Esqueçam lavagem com vômito do Tropa de Elite. Comida BOA de verdade...claro, éramos aspirantes a oficiais, filhinhos de papai!

A noite caiu. Banho com tempo contadíssimo. Obrigatório fazer a barba. Jantar. Aprendemos a mexer com granadas. Aprendemos como proceder com prisioneiros de guerra e acredite, não é NADA legal ser um deles! Aprendemos a montar uma guarda eficiente e, com a noite alta e notícias de um lobo guará rondando o acampamento, testemunhei o céu estrelado mais bonito que já vi (e olha que meus pais tiveram sítio em uma área afastada de Ibiúna até bem pouco tempo atrás),

A manhã do dia seguinte veio! Como líder eficiente do meu pelotão, escolhido no meio da tarde do dia anterior e não mais destituído (os caras rachavam o bico das broncas que eu dava na minha tropa), fui premiado com a volta de todos para o refeitório da base (fora da área de acampamento) em caminhões. Ninguém aguentava andar de volta. Aí que percebi que estávamos do lado da base aérea. A tal "volta ao mundo" era realmente uma bela volta pelo caminho mais longo pra se chegar no lugar pretendido.

O retorno a Sampa, já disse - de ônibus, infelizmente. Teríamos que cruzar a marginal Tietê em direção à Guarulhos em pleno horário de rush. Todo mundo largado, deitado no corredor do ônibus. 

Não consegui forças pra ir à formatura do meu irmão. Estava eu "meio limpo", desmaiado no sofá da sala de televisão da (então) minha casa. Nem lembro dos meus pais ou irmãos chegando aquele dia.

Foi legal. Um mundo à parte, do qual com certeza eu não me encaixaria nunca, mas como experiência foi bem interessante.

Consegui ir pra Santos no dia seguinte (um sábado). Lembro de ter feito a prova, mas realmente não lembro do desempenho. Claro que não deve ter sido dos melhores.



2 comentários:

  1. Affffff! Que dureza! Tá magriiiiiiinho na foto :-) Então domingo vai ser fácil pra você! rsrs vamo que vamo!

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  2. Daniel! Que história, hein?! Vc deve ter ido muito bem no Troféu Brasil. Fichinha, depois dessa experiência.

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