quarta-feira, 30 de maio de 2012

Super-Heróis Mortais

Quem já teve a curiosidade de ler postagens mais antigas do blog, sabe que nunca tive a intenção de ligar minha profissão ao meu hobby. Muito menos dar aula do que quer que seja sobre nenhum assunto. E também não é meu objetivo alertar ninguém para nenhum assunto.

Apesar disso, tenho postado bastante sobre assuntos médicos e esporte.

Uma coisa tem me incomodado e o que eu vou escrever não vai agradar à todos. Peço desculpas desde já.

Depois do Ironman Brasil que aconteceu domingo 27/05, li muitos relatos emocionados sobre superação, atos heróicos de esforços hercúleos para se terminar a prova em condições adversas de saúde (condições estas percebidas durante a prova).

Ok. O primeiro que li foi emocionante. O segundo era a repetição da mesma história. O terceiro já não tinha a menor graça.

Foi quando vi que tinha um quarto, um quinto, um sexto relato. Todos com a mesma história: nadei bem (do ponto de vista de conforto e não necessariamente do tempo gasto), comecei a pedalar bem na primeira volta, mas na segunda a casa caiu....enjôo, nenhuma alimentação caía bem, vômitos, câimbras, etc, etc....a maratona que costumo fazer em 3 horas (ou o que quer que seja...), foi feita em 7 horas, mas eu sou ironman!!!!!!

Eu fico preocupado! Vocês não?

Não sou expert em fisiologia, muito menos em esportes de longa duração. Por isso não vou me alongar e nem vou "esgotar" o assunto. Vou só levantar a bola.

Todo mundo deveria saber que existe uma quantidade ENORME de variáveis que regula o corpo em situações de stress como essa.

Não adianta vir com fórmulas prontas de revista, dizendo que precisamos comer uma quantidade x de carbo por hora, tantos litros de líquido por hora. E se a prova for feita com 10ºC de temperatura? E se for com 30ºC? É a mesma coisa? E se tiver 47 Kg com 2,5% de gordura corporal? E se for um fofinho com 90 Kg e 27% de gordura corporal?

Entra tudo no mesmo bolo?

A prova no domingo pegou muita gente de surpresa, pelo que soube. Estava mais calor que o habitual.

Ironman tende a ser um cara bitolado no que diz respeito a "se repetir exatamente o que foi treinado".

Se estava mais calor, a reposição hidroeletrolítica tem que ser ajustada.

O esforço heróico de todos os relatos lidos tem outro nome: HIPONATREMIA!

Não tem nada a ver com a água servida na prova. Não tem nada a ver com intoxicação alimentar.

A insistência na manutenção do esforço pode criar uma bola de neve que resulta em sobrecargas hepática principalmente renal graves.

Cada dia mais dou razão à frase que ouvi no meio do ano passado do ortopedista que examinou meu quadril baleado: vocês (triatletas) têm rotina de treinos de profissionais e não têm a retaguarda que deveriam ter. É tudo empírico, É tudo de "orelhada".

O esforço e superação do ironman deve se restringir ao dia a dia dos treinos. No tempo que se passa longe da família. Todo o resto tem que ser planejado como alimentação, suplementação orientada por fisiologistas e nutricionistas, complementação dos treinamentos com trabalhos de força específica para se evitar lesões. Assessorias não dão esse tipo de suporte. No máximo querem um teste ergométrico para a eventualidade do cara "empacotar" e poderem tirar os respectivos da reta.

Além disso, também o dia da prova tem que ser planejado. Tem que haver um plano de contingência para imprevistos, como temperaturas de 30ºC no final de maio.

Agora esse tipo de superação em todos os relatos lidos, é preocupante demais!

The Drunken Hercules - Peter Paul Rubens (1611)

15 comentários:

  1. Daniel,
    Conheci o seu blog atraves do blog do Max. Gostei muito do post sobre os atletas que vem sofrendo problemas cardiacos. Esse entao foi melhor ainda!!
    Eu fiz meu Ironman em 2011. Tive duas contusoes que atrapalharam a minha preparacao: torci o pé em Dezembro (40 dias sem correr) e tive uma tendinite no tendao de aquiles no mesmo pé 45 dias antes da prova(provavelmente consequencia de voltar a treinar com pressa e com maior intensidade que deveria). Bem com certeza minha preparacao nao foi a melhor que poderia ter feito.

    No dia eu nadei bem, pedalei bem mas senti que a forca tinha acabado por volta do Km120. Desde entao eu passei a parar em TODOS os postos de hidratacao da Bike. Diminui o ritmo. Comia e bebia bastante. Entreguei a Bike, e tomei um advil pra conseguir correr pq a tendinite doia muito. Caminhei bastante e corri um pouco durante a maratona e sempre parava em TODOS os postos pra comer, beber. Terminei com 13h15min com minha filha no colo. Fui ate a tenda de atendimento medico aquilo parecia com cenas de filme da guerra do vietnam: dezenas de pessoas deitadas, desacordadas em macas tomando soro e o staff medico muito solicitado. Estava me sentindo muito bem. Cansado e com bastante dor muscular nas pernas, mas bem. Sai correndo dali.

    Passei rapidamente pra comer pizza, comer alguma outra coisa, me hidratar e logo ja fui encontrar a minha esposa na saida.

    Atualmente eu acho um saco ler os relatos de prova. É tudo igual. E os conselhos antes das provas... é pior que o discurso do Pedro Bial no BBB: guerreiro, heroi, força, determinação, vencer o desafio...
    Em todo relato de qualquer prova o cara sempre arruma uma desculpa pra justificar o tempo de prova: fala que o vento tava muito forte, ou que naquela tal prova tinham km's a mais no pedal, ou na corrida... ou que a natacao foi mais longa...

    Fiquei muito contente de ter terminado o Ironman. Dos 12 atletas da minha cidade fui o ultimo deles. Mas curti a prova inteira. Parei em todas as voltas pra dar um beijo na esposa e filha. Atualmente esse papo de superacao, guerreiro, heroi nao cola mais comigo. Sou apenas um cara que curte muito fazer atividade fisica, que trabalha bastante e pode investir tempo e dinheiro pra fazer Triatlon e que fica com uma baita dor na consciencia de treinar tanto e ficar longe da familia nas manhas dos finais de semana.
    Me divirto bastante nos treinos com os amigos e acho isso a coisa mais importante em fazer Ironman.


    Abraco!

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  2. Pena que você não colocou seu nome!
    Também fiz em 2011. Umas coisa que coloquei no meu relato aqui no blog é que passei um dia sensacional. Naquele dia e para aquelas condições, fiz tudo certinho. Em nenhum momento me senti fraco e deu tudo certo. Mas o melhor foi mesmo o que você falou e eu também fiz. Minha família estava me assistindo. Fizemos festa a cada passagem e terminei com a minha esposa ao meu lado e minha filha no colo! É isso que me motiva! Tempo é irrelevante
    Abraço

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  3. Daniel, parabéns pelo texto!

    Acho que você jogou uma luz sobre uma discussão em que há apenas dúvidas e muitos pontos cegos!

    É tão importante que deveria ser impresso junto com o boleto para se pagar a inscrição no Iron.

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  4. Valeu Ciro e Vagner! Comentários de vocês são sempre bem vindos!
    Vagner, o que motivou esse texto foi um post no ironbrothers. Depois de muitos relatos sobre a prova, vi um post da Deise (eu acho) que lançava uma duvida sobre a água, que aparentemente tinha gosto estranho para explicar o grande número de casos de vômitos e etc! Pra mim parecia claro o motivo de tudo, mas não tinha como escrever no blog naquela hora. Fiz o texto hoje cedo e depois chequei no grupo e felizmente a discussão já tinha tomado o rumo certo (desidratação e falta de eletrólitos como sódio e potássio).
    Isso é muito sério! Pra piorar, a galera fica mandando guela abaixo um monte de advil e etc, sem saber que a metabolização disso tudo é hepática (em alguns casos renal). Com essas funções debilitadas pela desidratação, o estrago pode ser GRANDE!!!!

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  5. A verdade é que a paixão emburrece agente... rsrs ficamos tão "focados" em conquistar ( o portal no caso, ou um PB) que esquecemos das consequências do que fazemos.... algumas vezes não sabemos mesmo das consequências.. outras apenas ignoramos... só não sei dizer qual é pior... ( não é assim com a primeira namorada??.. agente pensa que é o tal e que o amor é maior que tudo... )
    Ainda bem que tem gente disposta a nos ajudar nessa caminhada...
    Eu mesmo vivo dando mancada no triathlon e na vida... mas procuro sempre corrigi-las... ou mesmo evitá-las..
    Esses últimos relatos de "superação" já entraram no meu HD...
    Essa semana tô passando por uma Denguezinha básica... e estou sentindo a falta que faz um Fígado sadio....rsrs
    Vontade não é nada se o corpo não tiver em condições...

    verdade??

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  6. Daniel, a repetição dos problemas relatados nos posts me fez perguntar ao grupo. Bom que escreveu sobre o assunto. Outro post que me chamou atenção foi do Otávio, que estava impressionado com no. de participantes despreparados , desinformados sobre a prova, mas que desfilavam com bikes de valor absurdo. Pena o caminho que o triathlon brasileiro acaba seguindo. Parabéns pelo post

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  7. Daniel, amigo meu saiu bem da prova, mas vomitou muito depois. Perdeu muitos hidrólitos e não conseguiu beber mais nada em razão do enjôo.

    Na pousada, a situação ficou critica a ponto de termos de chamar uma ambulância. Foi tenso.

    Depois de passado o susto ele, também médico, fez o mesmo diagnóstico que você.

    Acho que os atletas deveriam ficar em de observação depois de prova, mesmo quando dizem que "estão bem".

    Não acho que isso estivesse relacionado ao despreparo dos atletas - eu vi gente muito bem treinada passando por essa situação.

    Talvez fosse o caso da direção da prova fazer uma avaliação da situação com profissionais para saber da necessidade ou não de se recomendar fortemente a todos que tomassem soro ao terminarem a prova.

    Repensando a situação agora, acho que não se tratou de um problema individual apenas (embora concorde com você sobre a necessidade dos atletas repensarem suas estratégias, mas de infra-estrutura também.

    Enfim....

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    1. Não há indicação nenhuma de soro endovenoso ao se terminar a prova. A hidratação e reposição de eletrólitos deve ser oral, antes, durante e após a prova.
      Hiponatremia geralmente é erro de planejamento alimentar e hídrico durante a prova.

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    2. Mila, quando terminei minha prova em 2011 passei pela tenda médica pra procurar um amigo (que supostamente estava lá). O cenário é de guerra MESMO! Não dá pra imaginar alguém tendo que ser atendido daquele jeito. Saí correndo de lá! É muito comum porém essa crença que a hidratação IV depois da prova é necessária! Muita gente faz sem nem saber se precisa ou não. É como eu disse: tudo de orelhada. Um faz...o outro vê, também faz...e assim vai!
      Outra coisa, essa coisa que a prova é longa, sujeita a altos e baixos! BESTEIRA. BALELA. BEIRA O RIDÍCULO (...e já ouvi isso até do meu técnico)! É como você falou, falha de planejamento ou execução! Se a prova de alguém tiver sido assim, muda de plano pro ano que vem. Esse já deu errado. Se já mudou de plano e não resolveu, muda de técnico, muda de assessoria, muda de casa, muda de emprego, muda de mulher ou marido.....vai mudando até achar onde está o erro!!!!! Alguma coisa COM CERTEZA EStÁ ERRADA!!!!

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    3. Vagner, depende do que a gente chama de preparo adequado. Veja, eu sou um cara mediano. Tô sempre no grupinho intermediário. Tem sempre os cavalos puro sangue (na minha assessoria) que treinam com médias de 40 km/h, correm a 4 - 4´15"/km....e chegaram quase TODOS atrás de mim no IMB 2011. Dá pra dizer que estão bem preparados? Não sei. Faltou alguma coisa. Cabeça para dosar ritmo, para saber distribuir de forma adequada as necessidades do corpo para aquela situação. Potência não é nada sem controle (Pirelli...).

      Sobre infraestrutura. Sério? Não vou entrar no mérito de preço ou acesso ao organizador (sua experiência lá fora deve ter elevado muito o nível de crítica pois sei que lá fora somos mais respeitados, apesar de nunca ter feito prova fora), mas essa prova é disparada a melhor prova que temos acesso aqui no Brasil!

      Acho que falta seriedade, responsabilidade por parte de todos. Enquanto as coisas forem como são, enquanto a unica prioridade dos organizadores for o lucro das inscrições, das assessorias a quantidade de mensalidades pagas e dos atletas amadores a melhora de tempo custe o que custar, estaremos sujeitos à riscos.

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    4. Altos e baixos emocionais até são aceitáveis...mas não é o que se espera (sob o meu ponto de vista) de quem está realmente preparado e está fazendo as coisas certas!

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  8. Superação realmente tem limite. Tem que respeitar o próprio corpo.
    Tem gente, que ultrapassando o bom senso, termina a prova no sufoco, como se fosse a última prova da vida.
    Em alguns casos isso pode ocorrer e realmente ser a última. Morte súbita no esporte acontece.
    Estatística rara, mas pode ocorrer e a falta de bom senso pode ser o gatilho...
    Milani (Cardiologista e Médico do Esporte)
    www.medicinadoexercicio.com

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  9. O sistema do Iron Brasil eu reputo como muito bom, mas para desde de que as coisas não fujam de uma certa normalidade. O que aconteceu domingo, no meu modo de entender, saiu um pouco do padrão e não houve ações adicionais para dar conta dos problemas que ocorreram depois da prova em decorrência do calor.

    Conversei com o médico do ambulância e ele me disse que eles chegaram atrasados porque estavam atendendo a várias chamadas.

    No Texas quando você passa o pórtico uma pessoa "gruda" em você, faz algumas perguntas e só te "libera" quando ela percebe que está tudo bem contigo e que todas as suas dúvidas de como proceder depois da prova foram tiradas.

    Sobre a questão do "preparados" não me referi em relação a performance.

    Eu estava me referindo a atletas que cumpriram todas as etapas de treinamento e fogem do perfil tipico de aventureiros. Não importa se vão fazer a prova em nove horas ou em quinze - a questão é se estão aptos.

    Depois de presenciar o que acontece com uma pessoa que passa mal depois de tamanho esforço e ler o seu texto, realmente tenho dúvidas se não seria ideal que os atletas ficassem em observação ou passassem por uma avaliação médica antes de serem liberados.

    Estou apenas pensando alto....

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  10. Daniel
    Realmente é preocupante. Fiquei assistindo a chegada até as 15h de prova, vi pessoas chegando MUITO mal.
    Culpar a organização é covardia. O atleta tem que estar preparado ficamente, psicologicamente e apto a lidar com as variáveis da prova.
    Fico pensando o que faz um advil no rim de uma pessoa desidratada e hiponatremica.
    Como médico estou preocupado, mas ainda não achei uma solução.

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